segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sem sentido.

Um rascunho rasurado em cima da mesa parece conter todas as palavras que um dia foram necessárias para o que eu achava ser sinônimo de sobrevivência. Hoje certas coisas não mudaram, na verdade grande parte delas, a única diferença é que as lágrimas que antigamente eram capazes de amenizar a dor, já nem sequer caem mais. Não vou dizer que foi fácil me acostumar com a pontada de dor que me cerca e aos poucos vai me arrastando para o chão, porém agora é como se isso já fizesse parte de mim, ficou fácil de esconder. Ainda que cenários diferentes venham modificando somente algumas partes das concepções que construíram o que sou hoje, não consigo me desvencilhar das armadilhas que sentem prazer ao me atacar. Meu coração foi sendo machucado aos poucos e eu simplesmente não consegui resistir e seguir firme, me derrubei e caí. Não sei ainda o que me levou a tomar as decisões que tomei ou a trilhar os caminhos que trilhei, sei apenas que não queria mais carregar qualquer tipo de arrependimento ou de dor interior. Tentei resistir, não vou negar, mas me desgastei lentamente. Seria um pouco menos árduo sentir a dor de uma só vez, pois talvez consumisse um pouco menos da sanidade, mas as coisas jamais foram fáceis para mim, não seria justamente nesse momento que tudo mudaria. Relutei e depois consenti que tais sentimentos se apoderassem de mim. Me moldei achando que teria a força necessária para carregá-los sem me perder pelo caminho. Mais uma vez, me enganei. É tão difícil não sentir medo antes de pensar em vasculhar o interior. São tantas fagulhas que ainda rasgam meu peito por dentro. Queria poder fechar os olhos e dormir eternamente na esperança de relembrar certos detalhes, quantas vezes fossem necessárias para que me fosse devolvida a paz interior. A cada minuto meu coração diminui sua vitalidade, é como se estivesse se cansando ainda novo. Os minúsculos cacos que restaram hoje são pedaços, sem nenhum significado, de algo que já foi inteiro e saudável. Não faço mais questão alguma de me reconhecer quando passo por um espelho. É melhor não saber o que se passa dentro de mim, pois me tornei uma estranha, sou meu pior inimigo. Só consigo desejar que tudo se apague da minha mente e que eu possa recomeçar as coisas do zero, rapidamente, do mesmo jeito que tudo isso começou. Seria mais fácil acordar um dia e saber que tudo não passou de um pesadelo, tendo a certeza de viver bons momentos com alguém que realmente mereça isso. Sinto muita falta de sentir aquela mistura de sentimentos e de esboçar um sorriso ao lembrar de alguém. Todas as vezes que isso parece que vai voltar a acontecer eu me engano e caio mais fundo do que já caí antes. Aprendi a rir das minhas quedas, por mais que ainda doa fundo e aos poucos acabe com as únicas esperanças que me restam. Queria ter o poder de me certificar que algumas coisas valem a pena, assim como sei que valho, por mais que aquelas palavras ainda passeiem pelo ouvido me deixando atônita, essa hoje, é minha maior certeza. Não me recriminarei mais até que provem que não me resta nada mais para viver. Por enquanto não me sobra qualquer outra alternativa a não ser vagar nas esperanças que arduamente tentam se renovar em meu interior, dia após dia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Partida.

Senti um arrepio pelo corpo ao chegar naquele terraço. Mais de vinte andares me separavam do chão. A neve caía sobre meu capuz tornando-o pesado. Já me bastava o peso que estava carregando desde o dia do nascimento. Sacudi minha cabeça intencionalmente, porém os flocos já pareciam estar grudados ao tecido. Enquanto me movimentava até o pequeno vão entre o concreto e o vazio, fechei os olhos e senti mais uma vez minha cabeça pesar. Retirei o capuz, deixando que os fios de cabelo entrassem em contato com os pequenos flocos de neve. Aquela cena me fazia lembrar meus pais. Inevitável esquecer seus rostos sorrindo e a janela do carro embaçada pela neve, que foi o único obstáculo para nosso último adeus. Dez anos se passaram e aquelas lembranças ainda faziam arder todas as cicatrizes que o tempo não se cansava de deixar. Fui obrigada a crescer tão rápido que nem sentir doer. Abri meus olhos e observei que as pequenas luzes da rua iluminavam as pessoas que passavam. Os minúsculos rostos não me pareciam conhecidos. Buscava e não encontrava. Não encontraria mais. Tentei ignorar mas meu coração latejava tão forte dentro do meu peito, que um grito de dor ecoou pela madrugada fria. Me recolhi em um canto e envolvi as pernas com os braços no intuito de me aquecer. A lua iluminava os pontos molhados pelas lágrimas que escorriam na minha calça. Estava em estado de inércia. A felicidade que ele me trouxe depois da ida dos meus pais pareceu sanar todo aquele martírio. Cinco anos de amor e cumplicidade. Agora nem ele me restava mais. Nasci destinada a perder todas as pessoas que poderiam me fazer feliz. Engoli em seco ao constatar isso e fingi que não estava sentindo os pingos da chuva. Gotas pesadas que derretiam a neve e me congelavam, exatamente como havia acontecido com meu coração. A única esperança de felicidade que me manteve viva nos últimos anos havia sido partida. Uma noite acordada vagando solitária pela cidade foi suficiente. Eu já não sabia mais quem era. Essa podia ser a única conclusão que tirei da vida. Junto com ele se foram o que me restava da alma e de sanidade. Flashes atormentadores irromperam em meu pensamento. Uma noite fria. Um carro. Um garoto. Um atropelamento fatal. Ele me protegeu de tudo o que podia me afetar e eu o observei partir sem ao menos me movimentar. Me sinto cruel. Cruel, culpada e desligada desse mundo e de qualquer sensação humana. O sol começava a nascer. Levantei e caminhei novamente para perto do vão que me possibilitava ver a rua. Respirei fundo antes de olhar para baixo. Meu corpo se arrepiou quando me fixei no canto esquerdo. Não sei qual a explicação para isso, mas eu ainda podia ver seu corpo imóvel estendido no chão. Lembrava perfeitamente das mãos cobertas de sangue e do último abraço. Me permiti sentir de novo aquele eterno amor. Não seriam mais de vinte andares que nos separariam, muito menos duas formas de vida diferentes. Meu lugar era do lado das pessoas que me amavam. Não sei se aquela atitude era a certa a ser tomada, porém eu precisava daquilo. Não aguentava mais sofrer. Olhei para o céu alaranjado, respirei fundo e a última sensação que senti foi um frio desconfortável na barriga. Assim tive a certeza que parti ao seu encontro.