domingo, 5 de setembro de 2010

Partida.

Senti um arrepio pelo corpo ao chegar naquele terraço. Mais de vinte andares me separavam do chão. A neve caía sobre meu capuz tornando-o pesado. Já me bastava o peso que estava carregando desde o dia do nascimento. Sacudi minha cabeça intencionalmente, porém os flocos já pareciam estar grudados ao tecido. Enquanto me movimentava até o pequeno vão entre o concreto e o vazio, fechei os olhos e senti mais uma vez minha cabeça pesar. Retirei o capuz, deixando que os fios de cabelo entrassem em contato com os pequenos flocos de neve. Aquela cena me fazia lembrar meus pais. Inevitável esquecer seus rostos sorrindo e a janela do carro embaçada pela neve, que foi o único obstáculo para nosso último adeus. Dez anos se passaram e aquelas lembranças ainda faziam arder todas as cicatrizes que o tempo não se cansava de deixar. Fui obrigada a crescer tão rápido que nem sentir doer. Abri meus olhos e observei que as pequenas luzes da rua iluminavam as pessoas que passavam. Os minúsculos rostos não me pareciam conhecidos. Buscava e não encontrava. Não encontraria mais. Tentei ignorar mas meu coração latejava tão forte dentro do meu peito, que um grito de dor ecoou pela madrugada fria. Me recolhi em um canto e envolvi as pernas com os braços no intuito de me aquecer. A lua iluminava os pontos molhados pelas lágrimas que escorriam na minha calça. Estava em estado de inércia. A felicidade que ele me trouxe depois da ida dos meus pais pareceu sanar todo aquele martírio. Cinco anos de amor e cumplicidade. Agora nem ele me restava mais. Nasci destinada a perder todas as pessoas que poderiam me fazer feliz. Engoli em seco ao constatar isso e fingi que não estava sentindo os pingos da chuva. Gotas pesadas que derretiam a neve e me congelavam, exatamente como havia acontecido com meu coração. A única esperança de felicidade que me manteve viva nos últimos anos havia sido partida. Uma noite acordada vagando solitária pela cidade foi suficiente. Eu já não sabia mais quem era. Essa podia ser a única conclusão que tirei da vida. Junto com ele se foram o que me restava da alma e de sanidade. Flashes atormentadores irromperam em meu pensamento. Uma noite fria. Um carro. Um garoto. Um atropelamento fatal. Ele me protegeu de tudo o que podia me afetar e eu o observei partir sem ao menos me movimentar. Me sinto cruel. Cruel, culpada e desligada desse mundo e de qualquer sensação humana. O sol começava a nascer. Levantei e caminhei novamente para perto do vão que me possibilitava ver a rua. Respirei fundo antes de olhar para baixo. Meu corpo se arrepiou quando me fixei no canto esquerdo. Não sei qual a explicação para isso, mas eu ainda podia ver seu corpo imóvel estendido no chão. Lembrava perfeitamente das mãos cobertas de sangue e do último abraço. Me permiti sentir de novo aquele eterno amor. Não seriam mais de vinte andares que nos separariam, muito menos duas formas de vida diferentes. Meu lugar era do lado das pessoas que me amavam. Não sei se aquela atitude era a certa a ser tomada, porém eu precisava daquilo. Não aguentava mais sofrer. Olhei para o céu alaranjado, respirei fundo e a última sensação que senti foi um frio desconfortável na barriga. Assim tive a certeza que parti ao seu encontro.

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