quinta-feira, 22 de abril de 2010

Instabilidade interior.

As folhas amassadas que eu havia deixado no canto do quarto foram bagunçadas pelo vento forte. Eu estava naquele lugar que me manteve intacta durante anos, mas agora eu já não fazia parte daquela bagunça. Eu era a bagunça propriamente dita. Era impossível não ouvir o barulho sombrio se alastrando pelos cômodos da casa. A escuridão já não me incomodava mais, já fazia parte do meu cotidiano, era como se fosse uma velha companheira. Eu podia senti-la a todo momento penetrando minhas células, rapidamente, mantendo assim meu corpo congelado. Ao meu redor, nada além de retratos que marcavam alguma parte qualquer da minha vida, inusitada ou não. Imagens que claramente retratavam uma pessoa que não permanecia mais ali. Faziam parte apenas de algum passado que já se encontrava perdido no tempo. Abri meus olhos lentamente enquanto tentava me posicionar da melhor maneira possível na poltrona. Respirei profundamente e pude sentir meus pulmões pesados. Eles agiam como se estivessem expulsando o ar que preenchia meu interior, demonstrando que nem meu corpo estava sob meu controle. Porém algo fazia viver, o sangue ainda corria pelas minhas veias, mesmo que meu coração palpitasse vagarosamente. O céu estava cinzento e escuro, e eu estava parada, totalmente estática, buscando naquela imensidão alguma resposta. Busca infrutífera que jamais me conduziria a direção alguma. Ao meu lado estava uma almofada velha, um pouco manchada pelo tempo. Movimentei minhas pernas e só pude perceber que lágrimas caiam do meu rosto, quando senti que eu reencostava minha cabeça sobre algo úmido. Gotas de chuva molhavam a lateral da janela e velozmente distorciam a imagem das luzes da rua que ainda encontravam-se acessas. É impossível achar que algo bom estivesse a minha espera, eu já não possuía mais crenças. Minha imagem diante de qualquer pedaço de vidro que refletisse algo, irrompia sombria. Posso afirmar precisamente que não passo de uma união de cacos. Estou em pedaços. Fatias, fragmentos, peças, retalhos, lascas, estilhaços. Qualquer uma das palavras anteriores é uma minuciosa descrição de qualquer coisa boa que ainda possa me habitar. Sou uma terra infértil na qual as flores jamais poderão prosperar saudáveis. Os bons sentimentos em mim são como as flores na terra. Sinto falta da menina frágil que fui um dia. Sinto falta do medo de sentir medo. Sinto falta de carinho. Sinto falta de amor. Sentir falta. Isso basta. Não me resta nada. Desapareci lentamente. Era um tudo, sou um nada. Mentiras sóbrias e lúcidas se apossaram do meu coração. Envolveram cada centímetro quadrado de amor que me ocupava e os converteram em frieza e desamor. Sou alguém sem coração. Sou um choro falso que ecoa pela noite, que costura as luzes da rua procurando algum sinal de claridade momentânea. Converti todos os meus valores em insignificantes pedaços instantâneos de felicidade. Acabei por adormecer e me escondi nesse quarto escuro. As cobertas travam meus movimentos e conservam os meus sonhos bem escondidos. Só me resta aguardar até o próximo dia clarear na esperança de trazer com ele novos horizontes, aqueles que já não são e jamais serão os mesmos.

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